segunda-feira, julho 09, 2007

Hoje, meu dia de folga, fui visitar minha tia-avó que me criou num hospital geriátrico no Jaçanã - pra usar o eufemismo, porque lá é um asilo e eu me sinto uma cretina de só ter folgas às segundas-feiras pra ir visitá-la.

A vida é urgente, eu corro pro trabalho, venho pra casa, escrevo aqui, coloco comida pra Bisteca, vou passear com ela, passo aspirador no quarto, lavo meu uniforme, tiro a mesa do café da manhã, bebo uma cerveja... ou seja, não faço muita coisa da vida. E ela está lá, com uma doença degenerativa, dividindo o quarto com uma senhora que tem alzheimer e que fica gritando.

Na semana passada ela deu o maior sorriso do mundo quando me viu, perguntou do meu marido “um moço tão bonito“ e lembrou até da minha cadela - as pessoas da família dizem que ela não se lembra de nada e a tratam como demente. A linha da memória dela é intermitente mas ela se lembra das coisas pelo menos metade do tempo.
Na hora de ir embora ela me pediu pra levá-la pra casa, eu tive que dizer que ela ainda não estava bem pra sair do hospital.
Na volta, dentro do ônibus, fiquei pensando que queria dizer pra ela algumas coisas do nosso passado, porque agora, é só o passado que ela tem. E o meu passado com ela não foi assim tão ruim...

Uma vez eu fui correndo pra dentro do mar atrás da minha bola branca de pintas vermelhas e caí num buraco, e ela correu atrás de mim de roupa, óculos e tudo. Eu tinha só três anos mas me lembro bem de abrir os olhos embaixo da água e vê-la com cara de desesperada com os óculos tortos arregalando os olhos tentando nadar sem saber na minha direção. Por sorte um caiçara que passava viu tudo e nos tirou do buraco sem ninguém precisar ser ressussitado, só bebemos uma aguinha do mar e tudo bem, naquela época o mar do Litoral Norte era limpo.

Ela sempre foi desesperada e me criou como uma boneca de porcelana rara, uma jóia que precisava ser guardada de todos os males do mundo. Acho que se ela pudesse até mesmo hoje, me enfiaria em uma bolha já que o ar anda tão poluído.

Eu tinha muitos ressentimentos, sempre achei que ela nunca entenderia que eu posso ser feliz do meu jeito até um dia em que fui vê-la quando ela ainda estava em casa e ela me perguntou se eu era feliz, e eu respondi que sim, ela disse “tiras um peso muito grande do meu coração“, e isso me pareceu mais com uma despedida do que uma reconciliação.

Hoje ela não abriu os olhos pra ver a gente, e eu tenho muito medo dela não poder mais abrir os olhos e falar mas ainda ter a consciência dela.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Dona Carolina, seu post me fez lembrar do meu avô. Senti uma saudade tão funda.

Que vontade de um abraço.

7/10/2007 2:10 PM  
Blogger Carol Helena said...

Acho que a saudade do meu avô é eterna...

Um abraço pra você, menina.

7/11/2007 1:48 AM  

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