sexta-feira, setembro 28, 2007

Domingo passado, tinha tantas coisas na cabeça quando acordei, tinha passado uma noite de cão, pesadelos e sonhos estranhos. Não pude escrever nenhum deles, fugiram de mim como passáros que despertam com a gaiola aberta num dia de sol. Eu despertei num dia de sol, um dia lindo com as minhas tristezas todas pedindo pra serem escritas num papel, de preferência com caneta bic azul - é assim que eu gosto. E eles foram todos embora porque eu precisava trabalhar, me enfiar de cara na cozinha e ter um dia bem prático, o oposto do que o meu coração pedia.
Eles voaram.

Eu tinha a primeira parte inteirinha da história que tenho que escrever - eu tenho! É uma coisa louca, ela tá toda aqui dentro mas a impressão que dá é que quando quero ser prática e penso, vou escrever, e me sento aqui, as coisas me fogem, ficam tão distantes que nem sei mais onde elas se esconderam. Perco tudo, tudo, blackout. Meus blackouts pessoais e intranferíveis.
Pessoal e intransferível... quase tudo é assim, não?

Eu ando muito triste, uma tristeza infinita ou que “tende ao infinito“ - o certo seria assim, já que o infinito não existe segundo algum cientista da matemática; não discuto, mas dentro de mim, algumas coisas são infinitas e nenhum cientista, filósofo ou quem quer que seja pode tirar isso de mim.
Me perco, estava no infinito, a tristeza infinita...
Acho mesmo que é isso, eu posso ter momentos felizes, mas a minha tristeza é sem fim, ela sempre vai estar lá, latente, esperando um buraquinho na terra pra entrar em erupção e jorrar lava e transformar tudo em cinzas. Tudo destruido.

Quando eu era criança, minha avó sempre bigava quando eu chorava, dizia que eu tinha o mar perto dos olhos. Eu nasci uma náufraga numa ilha distante, nasci uma mulher de pescador que nunca voltou do mar.

Eu sempre me lembro do Seu Pitato, ele era pescador quando o mar de Juquei tinha muitos peixes e pouca gente. Todos os dias à tarde ele ia tirar a rede e a mulher dele ia junto, ajudava a levar a canoa até o mar e lá ficava esperando ele voltar, sentada na areia. Às vezes ela se levantava com a mão no rosto tampando o sol como se tivesse vendo o marido, mas ele não estava lá, não tão cedo. Era sempre agustiante ver aquela mulher sentar e levantar à espera do marido como uma prece pela vida dele. Já faz uns 10 ou 15 anos que nada vai bem, o mar cada vez com menos peixes por causa dos barcos-arrastão e da modernidade que se estendeu pelo litoral norte paulista. Os pescadores foram se rendendo aos subempregos locais, um deles comprou um barco a motor. Seu Pitato, mesmo sem peixes, ia colocar a rede toda manhã e tirar toda tarde de canoa. Fiquei sabendo há uns tempos que num dia de ressaca ele não voltou. Às vezes penso nela esperando por ele noite adentro na beira do mar... O pescador do barco a motor entrou pra procurar mas nunca acharam o Seu Pitato.

Sinto saudades de Juquei, aquele lugar incrível e protegido, onde os pescadores colocavam as canoas no mar com rolos de madeira, onde plantei uma árvore com meu avô, e as coisas eram singelas.

Eu ando triste, com medo dessas coisas boas se apagarem de vez da minha memória junto com a morte deles.
A tristeza me deu a terceira infecção do ano.
Mas é só tristeza.

A Tóia precisava morrer, tava muito mal. Mas as coisas dentro de mim nem sempre funcionam como eu quero.
Ela me criou e a partir disso vem outras coisas que eu abafei por tanto tempo dentro de mim...
Desde criança tenho mágoas, que através da minha memória fui arrecadando sem querer no meu coração - Rodrigo diz que meu problema é a boa memória, eu discordo.
Nem sei mais, é tanta coisa que parece que vou enlouquecer, de novo.

O vulcão dentro de mim ferve e jorra lava queimando tudo.

Minha tia, querendo ajudar, mandou um desses e-mails idiotas com imagens cretinas de criancinhas e bichinhos e uma mensagem mais idiota ainda, escrita naquele português pretenciosamente culto. Dizia que as lágrimas fazem bem, que as pessoas deveriam chorar seus entes queridos que partiram pra outro plano espiritual.
Nada daquilo fazia muito sentido, exceto que eu preciso exatamente fazer o que aquela mensagem idiota mandava, eu preciso chorar.
E é isso que vou fazer, sem arrependimentos, sem culpa, eu vou chorar, vou chorar pela pessoa que sempre entendeu e respeitou que eu tenho o mar perto dos olhos.

2 Comments:

Blogger Marina F. said...

Lindo texto, Carol. É uma merda ser triste, mas você exala isso tudo de uma maneira muito bonita.
beijo.

10/01/2007 11:40 AM  
Anonymous Anônimo said...

Carolina... meus olhos sangram diante de suas palavras... sangrar transparente e salgado é ter o mar perto dos olhos.

Lindo seu texto.

10/02/2007 1:58 PM  

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