quarta-feira, outubro 03, 2007

Coelhos

Uma vez, em Juquei, minha avó quis fazer coelhos. Comprou-os vivos junto com um frango. Fui com ela até o criadouro e voltei pra casa levando os coelhos na sacola com a cabeça pra fora, um cinza e outro malhado preto e branco, uma felicidade.
Coelhos sempre são fofos, eu roubei uma cenoura da geladeira pra dar pra eles. Minha avó brigou, disse que eles virariam “coelho a caçadora“, que não eram brinquedo.
Não eram brinquedo, eram comida, aqueles seres fofos que eu queria brincar e abraçar eram comida, ou virariam comida logo em breve.
Desesperei. Eu pedia, implorava, pra minha avó não matar os coelhos, eles eram meus amigos. Inventei uma série de idiotices, disse que os coelhos estavam pedindo pra não serem mortos, que eles queriam ir comigo pra São Paulo.
Na verdade os coelhos eram burros, eu tentei soltá-los mas eles não fugiam. Hoje eu sei que eles estavam com medo, mas naquela hora eu os achei burros, muito burros. Mesmo assim eu queria que eles vivessem e não virassem um ensopado.
Minha mãe chegou da praia e estava de bom humor, achou graça em ver meu desespero, ficou me perguntando porque eu me importava tanto com os coelhos se o frango teria o mesmo insucesso e eu não estava nem aí pra ele. Eu tentava explicar que o frango era estranho e que era comida de qualquer maneira, mas os coelhos não, eram bonitinhos - ela achava graça. Rebatia dizendo que eu não estava sendo correta, que estava discriminando o frango, que meus argumentos não eram bons. Sempre dizia coisas assim, normalmente eu tinha que argumentar muito bem pra conseguir qualquer coisa que fosse e pra não tomar bronca. Mas nesse dia, por mais que eu argumentasse ninguém me daria os coelhos, ninguém desistiria do delicioso coelho a caçadora da minha avó.
Na minha cabeça eu não entendia, e não entendi por muito tempo, como alguém poderia matar um coelho. Ela ia fazendo perguntas e achando graça das minhas respostas e entramos numa discussão filosófica sobre coelhos e frangos e o Pernalonga e a Páscoa e com esse lero, lero, sem que eu percebesse ela me levou pro quarto do fundo da casa, me distraiu e começamos a brincar de mímica.
Foi uma brincadeira mágica porque ela nunca brincava comigo, e as raras vezes que tentava logo desistia porque nunca teve a menor paciência, logo começava a gritar feito louca e a brincadeira acabava em castigo, palmadas na bunda e coisas do tipo.
Puxa, minha mãe estava brincando comigo, isso era incrível! Me lembro nitidamente - deveria ter uns 7 ou 8 anos, porque me lembro do tamanho da minha irmã, dá pra medir por aí. Brincamos um tempão, cada uma pensava num objeto e tinha que fazer a mímica pras outras duas descobrirem o que era. Tava tão legal. Eu não queria que aquilo acabasse nunca! Que coisa incrível, minha mãe fazendo mímicas muito engraçadas e se divertindo...
Até que minha avó gritou “pronto!“, e o encanto se desfez, ela quis parar de brincar e pegou um livro pra ler na rede. Eu fiquei me retorcendo tentando imitar alguma coisa com três asas ou algo assim, sem êxito algum, e nisso, me lembrei dos coelhos - os coelhos!!!!!
Corri pra ver os coelhos, minha avó estava terminando de lavar o quintal, ainda tinha sangue... Os coelhos estavam em cima da pia, o frango tinha ido pra panela e uma parte da minha auto-estima, pelo ralo.

**

Se a gente não homenagear de alguma forma nossos escritores preferidos, homenagearemos quem?
Sendo homenagem um eufemismo pra plágio, claro.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Hey Cindy Wilson!!! vamos fazer o rolê com a bisteca e a lála...rs.....bjo

10/04/2007 10:54 PM  
Anonymous Anônimo said...

Haha... Demorou, vamos combinar! Beijo

Carol

10/05/2007 1:37 PM  

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