quarta-feira, junho 28, 2006

Preciosidades

Por um longo tempo na minha vida eu me senti como se fosse uma boneca de porcelana que caiu da prateleira no chão.

Quebrada, por ter um rosto de porcelana e por ter pernas de pano que não iam longe.

Ao contar isso a uma amiga, ela disse que eu estava equivocada, que eu nunca fui uma boneca de porcelana. Eu era uma linda boneca bailarina de uma caixinha de jóias preciosa, uma antiguidade, que estava inteira e que precisava ser achada porque um dono que não sabia o que tinha nas mãos, me esqueceu em uma caixa qualquer num dia de mudança.

Minha saia e cabelos estavam empoeirados, mas se dessem corda na caixinha de jóias eu dançaria de uma forma linda e delicada como só eu saberia fazer.

E um dia desses, ela disse que um curador do Louvre me acharia e me faria entender que eu era uma preciosidade e que estava inteira.

Enfim, tudo isso pra falar que eu não achei um curador do Louvre (graças!). Eu achei um cara muito foda que organiza mostras como esta.

Pra quem quiser aparecer, os ingressos custam quatro reais, e pra quem vai assistir dois ou mais filmes, vale a pena comprar o passe da mostra, você pode assistir à todos os filmes por somente oito reais.

Outro dia eu falo dos filmes que são mais legais e porque eu vou assistir, por enquanto, aqui está a programação.

sexta-feira, junho 23, 2006

Sobre o transporte coletivo

Meu avô sempre ia regular o aparelho auditivo na Rua XV de Novembro. Nos últimos anos de vida dele, minha avó não confiava muito em deixá-lo ir sozinho com o aparelho na mão (e portanto não no ouvido) ao centro da cidade.

Eu era a mais velha e predileta neta do meu avô e também a pessoa desocupada da família, então sempre sobrava pra eu ir com meu avô de metrô à rua XV de Novembro regular o aparelho auditivo.

Toda vez eu reclamava por ele não querer entrar logo no primeiro trem, ele sempre queria esperar um vazio, e me contava a mesma história com aquele jeito carinhoso e o sotaque português dele... Mais ou menos assim:

"Quando eu tive tuberculose, tinha só 27 anos. Fiquei muito mal, sem resistência nenhuma. No começo foi difícil de me acostumar, não podia ficar muito tempo em pé ou andar rápído. Eu fui a ficar lento com a doença, lento, lento... Perdia muitos carros elétricos porque não podia ir em pé e me aborrecia muito com isso. Até um dia que percebi, atrás daquele carro vinha outro, e atrás daquele outro, vinha outro, e outro... Então, filha - ele calmamente me dizia - não te aflijas, atrás deste vem outro.”

Eu, com meus 17 irritados anos, não entendia tanta calma e ficava brava por ele prolongar a viagem.

Dez anos depois, me peguei contando essa história ao perder um ônibus. Percebi que gosto muito dela e que essa coisa de “atrás deste vem outro” é uma grande lição e vale pra quase tudo nesta vida.


Nesses dias em que eu "perco o ônibus", sinto uma saudade do tamanho de um bonde...

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quarta-feira, junho 07, 2006

Wednesday, Miércoles, Mercredi, 水曜日

Dia de feijoada.

Dia de pagar meio ingresso no cinema.

Meio da semana - pra quem tem final de semana.

Pra mim, é dia de grelhar legumes pra sair com Royal fish no almoço, e também é dia de tentar picar amêndoas sem arrancar partes do dedo fora e depois queimá-las no forno porque o dedo não pára de jorrar sangue e não deu tempo de prestar atenção nas amêndoas.

Em algum lugar deve ser dia de pomarola...

segunda-feira, junho 05, 2006

Persistência

A vida pode ser muito boa mesmo quando os obstáculos são maiores do que você acha que consegue saltar. E de repente você salta e passa e às vezes os obstáculos te fazem cair, e os machucados doem, mas te fazem uma pessoa melhor. É aquela coisa que toda avó diz: “o que não me mata me fortalece”.

Estou aprendendo muitas coisas, não só na cozinha, mas sobre sobrevivência, e principalmente, sobrevivência dentro de uma cozinha.

Minhas mãos têm cortes e queimaduras leves e minhas pernas doem de pedalar na minha bicicleta duas idas e duas voltas pro trabalho e pra casa nos dois turnos.

Perdi a exibição de uma peça que eu queria muito assistir, perdi um casamento que eu seria madrinha, não ligo mais o computador porque chego em casa cansada demais pra qualquer coisa que não seja cair na cama e dormir até o último minuto, levantar e sair correndo, na verdade pedalando, em direção ao trabalho.

Cortar, picar, passar na mandolina (a mão junto), assar, ferver, conferir geladeiras, saber onde está tudo exatamente, dentro de cada gaveta do freezer, cada porta de geladeira e pote colocado milimétricamente medido com o esquadro, projetado pra estar ali. E ai de quem colocar mais pro lado ou perder tempo procurando!

Água é uma dádiva.

A cada xingo e grito que tomo da chef é um copo de água que engulo. Pá-pum, passou, refrigera a mente e estou pronta pra mais um “Caralho que porra! Larga isso! Larga isso! Você demorou demais, vai mexer o risoto de brie!”

Saem os pratos da cozinha e eu tomo um copo de água enquanto ela apresenta tudo no salão e recebe os elogios.

Volto pra cortar picar, assar e estou nova pra outro: “menina, não é assiiiiim, não é assiiiim!!!”

Aprendi que não importa que eu esteja certa, e também não importa que eu esteja me esforçando ao máximo, eu tenho que fazer mais e acabou. Não existe ‘não dá tempo’, ‘não cabe’, ‘não posso’ ou ‘não consigo’.

Eu abaixo a cabeça, peço desculpas quando ela grita com mais veemência e faço tudo do jeito dela, mesmo ela mudando de jeito de um dia pro outro, mesmo errando sem culpa, mesmo acertando mas ela dizendo que errei.

Quando ela diz que estou errada é porque estou errada e ponto final.

A principal qualidade pra se entrar em uma cozinha é a humildade, a segunda é a perseverança e só depois vêm todas as outras qualidades necessárias.

Eu estou aprendendo a ter as duas principais.

Agora eu entendo o que é honrar a dólmã que minha amiga Leone tanto dizia.